Ainda me lembro como se fosse hoje da emoção de levar para casa o disco dos Vencedores por Cristo: De Vento em Popa. Lembro-me do verde da capa, o barco à vela, o cheiro do acetato, as fotos, o encarte, o ruído da agulha sobre o disco, o inusitado das letras, os ritmos sabor à brasileira, os arranjos tão próximos do estava acostumado a ouvir na música popular. Tudo vívido em minha mente.
Em meus ouvidos, os sons da canção “Sinceramente”, “Canto” e “A roseira” se misturavam à “Refavela”, de Gilberto Gil, ao “Sonho”, de Peninha, “Somos todos iguais esta noite”, de Ivan Lins e Victor Martins, “Meu caro amigo”, de Chico Buarque e tantas outras. E já se passaram 33 anos.
Mas afinal, o que faz esse disco ser celebrado por tanta gente, tão comentado? Certamente não foi o sucesso imediato ou as vendagens, que por sinal foram baixas em relação aos discos anteriores. A grande importância desse trabalho reside na proposta diferente que trazia, na linguagem inovadora e na influência que teve em tantos artistas cristãos que estavam sendo formados naquela época e mesmo em épocas posteriores.[1]
Pela primeira vez os Vencedores por Cristo lançavam um disco com canções totalmente autorais. Jovens evangélicos brasileiros colocavam no papel seus sentimentos e ideias a respeito do Reino de Deus. Queriam mais que repetir fórmulas e fazer versões em português de cânticos feitos nos Estados Unidos. Aristeu Pires Jr., Artur Mendes, Ederly Chagas, Sérgio Pimenta, Carlos Ferreira, Guilherme Kerr Neto e Nelson Bomilcar eram os autores das novas canções.
O que essas canções traziam de especial? Primeiro, elas tentavam dialogar com a cultura brasileira. Ritmos da música popular brasileira, como o samba e a bossa nova, partilhavam espaço com ritmos pop, além de uma harmonia mais sofisticada. É o que fica evidente em canções como “De vento em popa” (Aristeu Pires), “Salmo 139” (Aristeu Pires), “Vou chegar” (Sérgio Pimenta e Artur Mendes) e “Preço de sangue” (Sérgio Pimenta). Outras, como “Sinceramente” (Artur Mendes e Ederly Chagas), “Vai caminhando” (Guilherme Kerr e Nelson Bomilcar, traziam ritmos do pop.
Segundo, essas canções traziam uma linguagem nova, do cotidiano, com expressões como “de vento em popa”, “voz tão rouca já desafina”, “canções do cais”, “outro pileque”, “pobre rapaz”, “mundo torpe”, “vida morta” [belíssimo paradoxo], “sul sem norte”, grande contribuição do Aristeu. E essa linguagem nova não era um exercício formal interessado apenas em experimentações estéticas. A linguagem da bossa nova, do samba, da poesia e do cotidiano nasciam do desejo de comunicar o evangelho à sociedade brasileira. O desejo fundamental era o da comunicação com as pessoas.
Isso se completa ao forte caráter evangelístico da maioria canções, que falam da importância de se pensar sobre a vida, buscar um “mundo melhor”, a imagem bíblica de “Jesus batendo à porta”, abrir o coração. É nessa direção que Sérgio Pimenta faz a pergunta: “Por onde é que vais?” e dá o recado: “Ter Cristo é bem mais”. Aristeu canta o Salmo 139 e expressa o desejo salmístico de ser guiado por Deus até o fim, um Deus “[q]ue não me larga a mão / E leva-me com todo amor / Na direção”. E nessa mesma temática, Guilherme Kerr e Nelson Bomilcar anunciam que se o caminhante ouvir a voz de Jesus “[e] o seu caminho lhe entregar... Não mais sozinho vai andar”.
O desejo expresso nas canções era o da comunicação com a cultura e a sociedade brasileira da década de 1970, o desejo de um diálogo pleno. Três décadas depois, e com os movimentos de louvor e adoração surgindo e se tornando preponderantes na cultura evangélica nacional e internacional, esse pendor evangelístico das canções, que já vinha de uma tradição muito forte dos hinos antigos, acaba se diluindo. Em seu lugar surgiu um movimento que produziu toda uma cultura centrada na adoração e que trouxe grande contribuição à história da música cristã contemporânea, mas correu sérios riscos de esquecer a história e a sociedade pela busca de um louvor celestial, transcendente, alienado das necessidades reais das pessoas. Neste aspecto, o De Vento em Popa continua sendo um trabalho relevante e diferenciado ao chamar a Igreja para o diálogo com o mundo.
Por força desse caráter evangelístico também, a maioria das canções faz uso das metáforas do caminho e da conversão. Embora a metáfora da navegação e do mar estejam presentes em canções como “Vou chegar” e “De vento em popa”, que dá título ao disco, a imagem do caminho, da mudança de direção, do rumo, da trilha é a mais recorrente. Na “Canção para Pedro”, por exemplo, o apóstolo é desafiado: “Caminha junto ao Senhor, não perguntes / Aonde Ele vai / Confia teu caminho / Às mãos do Pai”. Desde os primórdios da nossa fé, o cristianismo foi se construindo com a religião do Caminho e o viver a vida cristã como caminhar.[2]
Há uma canção que se destaca pela modo como apresenta o diálogo com o povo brasileiro: “Sinceramente”. Nela, o tema é evangelístico, mas a perspectiva é deslocada para aquele que ainda está de fora do evangelho. Isso me parece inédito na música cristã contemporânea. A persona do poema, isto é, a voz que ali aparece ainda está à procura de um caminho. Ela sente que precisa de “outro caminho, outra vida”, reconhece que se fala de Deus “por aí” e, então, ele faz sua opção: “Vou correndo pra Deus / Certamente o caminho melhor”. De novo, a metáfora do caminho e da decisão, mas desta vez a partir do ponto de vista de quem é evangelizado, ou seja, do brasileiro.
Também por força desse diálogo com a cultura brasileira, algo que chama a atenção no disco é a presença de sotaques: o sotaque nordestino, o paulista, o “erre” carioca. E aqui há que se fazer menção novamente ao Aristeu. Foi ele que nos presentou com a sonoridade nordestina na palavra “córação”, “senhor”, “existe” no “Salmo 139”. Há também o erre gutural, carioca que se ouve no verso: “Como a roseira em flor / Espera o sol chega”. Há também o sotaque nordestino no verso que diz: “por suas feridas / pérdão te deu”. E ainda: “câminha junto ao Senhor / Não pérguntes aonde Ele vai”. Mais que modismo, está implícito nessa opção pelo sotaque regional o compromisso com a diversidade da cultura brasileira e um desejo de entrar em contato com esse povo.
Outro recurso interessante no disco é o diálogo entre duas pessoas, que ocorre na “Canção para Pedro”, que apresenta uma cena ficcional de alguém encontrando Pedro no caminho, logo após a crucificação, e exortando-o a soltar de novo as redes, abandonar o barco e voltar para Jesus. Há aqui liberdade para imaginar uma cena extrair dela sua força dramática com objetivo claro de edificação do ouvinte. A canção “Mais perto” também sugere o diálogo entre o cristão e o ainda não convertido. A mesma força dialogal se faz presente em canções em que o eu lírico se dirige a Deus, portanto em oração. É o caso da canção “A roseira”, que de forma poética belíssima traz o indivíduo dialogando com o seu Senhor. É uma canção de esperança, entrega e louvor, um louvor que inclui “Todo espinho, toda rosa / Todo riso e toda dor / Toda lágrima teimosa / Que sem prosa já rolou”.
Certamente, o disco guarda suas lacunas. Uma delas é a total omissão de problemas sociais e políticos da sociedade brasileira de então. Apesar do desejo de aproximação com a cultura nacional, ainda não há no disco sinais de um movimento politizado, mesmo porque naquele momento a censura ainda estava presente nas artes e nos veículos de comunicação social. O governo brasileiro da época estava ainda em franca perseguição aos dissidentes políticos. Entre eles havia muitos cristãos, como Paulo Wright, deputado estadual desaparecido e morto em 1973. Exilados, desaparecidos, guerrilhas, tensões sociais e políticas, e o disco passa ao largo disso tudo.
Naquele mesmo período, outros cristãos escreviam, cantavam e divulgavam canções bem mais diretas e ousadas no que concerne às questões sociais, embora seguindo uma trilha diferente da missão Vencedores por Cristo. É o caso de João Dias de Araújo e João Wilson Faustini, na canção “Que estou fazendo?”, feita em 1974 e que fala abertamente de fome, analfabetismo, desigualdade social, opressão e libertação. É também o caso da canção “Lavapés”, de J.C. Maraschin, escrita em 1971.[3] Ainda assim, com todas as limitações ideológicas e circunstanciais do momento, De Vento em Popa trazia grande arejamento ao pensamento evangelical da época, pois desafiava certo tradicionalismo das formas e o isolamento cultural da Igreja protestante naquele momento.[4]
Considerando o caráter inovador de sua estética musical, sua abordagem poética, o uso da linguagem do cotidiano, o desejo explícito de dialogar com a cultura brasileira e traduzir o evangelho na linguagem do dia a dia, o caráter reflexivo, propositivo, bíblico de sua mensagem, o disco De Vento em Popa, de Vencedores por Cristo, tornou-se um marco na história da música contemporânea feita por cristãos. Projeto muito anterior ao fenômeno da gospel music que hoje nos cerca, o disco abriu um caminho expressivo muito interessante para os jovens artistas brasileiros. É claro que ainda há muito que fazer, há milhas e milhas a navegar, mas vontade de velejar é o que não falta. E o Vento ainda sopra, de popa!
Casado com Ruth (1985) e pai de Johana e Julia, Gladir Cabral é formado em Teologia e Letras, com doutorado em Letras pela UFSC (2000). Atualmente, exerce o pastorado na Igreja Presbiteriana do Brasil e atua como professor universitário em Criciúma (SC). Músico e compositor, gravou recentemente o DVD Casa Grande.
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[1] Jorge Camargo. De Vento em Popa: fé cristã e música brasileira, p. 62. Esse livro de Jorge Camargo nasceu de uma belíssima dissertação de Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie em 2005.
[2] João 14.6; 12.35; Atos 9.2; 19.23; 22.4; Romanos 6.4.
[3] Ueslei Fatareli tem um belíssimo trabalho (dissertação de Mestrado em Ciência das Religiões pela Universidade Mackenzie em 2006) sobre a produção musical desse período: Cantai ao Senhor um cântico novo: influência da Teologia da Libertação no canto protestante brasileiro na década de 1980. Há também um interessante artigo publicado no periódico Cadernos CERU, da USP e disponível on-line: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1413-45192008000200008&script=sci_arttext
[4] Outro trabalho de altíssima importância é o livro de Carlos Eduardo Calvani, Teologia e MPB, publicado pelas Edições Loyolas e
Em meus ouvidos, os sons da canção “Sinceramente”, “Canto” e “A roseira” se misturavam à “Refavela”, de Gilberto Gil, ao “Sonho”, de Peninha, “Somos todos iguais esta noite”, de Ivan Lins e Victor Martins, “Meu caro amigo”, de Chico Buarque e tantas outras. E já se passaram 33 anos.
Mas afinal, o que faz esse disco ser celebrado por tanta gente, tão comentado? Certamente não foi o sucesso imediato ou as vendagens, que por sinal foram baixas em relação aos discos anteriores. A grande importância desse trabalho reside na proposta diferente que trazia, na linguagem inovadora e na influência que teve em tantos artistas cristãos que estavam sendo formados naquela época e mesmo em épocas posteriores.[1]
Pela primeira vez os Vencedores por Cristo lançavam um disco com canções totalmente autorais. Jovens evangélicos brasileiros colocavam no papel seus sentimentos e ideias a respeito do Reino de Deus. Queriam mais que repetir fórmulas e fazer versões em português de cânticos feitos nos Estados Unidos. Aristeu Pires Jr., Artur Mendes, Ederly Chagas, Sérgio Pimenta, Carlos Ferreira, Guilherme Kerr Neto e Nelson Bomilcar eram os autores das novas canções.
O que essas canções traziam de especial? Primeiro, elas tentavam dialogar com a cultura brasileira. Ritmos da música popular brasileira, como o samba e a bossa nova, partilhavam espaço com ritmos pop, além de uma harmonia mais sofisticada. É o que fica evidente em canções como “De vento em popa” (Aristeu Pires), “Salmo 139” (Aristeu Pires), “Vou chegar” (Sérgio Pimenta e Artur Mendes) e “Preço de sangue” (Sérgio Pimenta). Outras, como “Sinceramente” (Artur Mendes e Ederly Chagas), “Vai caminhando” (Guilherme Kerr e Nelson Bomilcar, traziam ritmos do pop.
Segundo, essas canções traziam uma linguagem nova, do cotidiano, com expressões como “de vento em popa”, “voz tão rouca já desafina”, “canções do cais”, “outro pileque”, “pobre rapaz”, “mundo torpe”, “vida morta” [belíssimo paradoxo], “sul sem norte”, grande contribuição do Aristeu. E essa linguagem nova não era um exercício formal interessado apenas em experimentações estéticas. A linguagem da bossa nova, do samba, da poesia e do cotidiano nasciam do desejo de comunicar o evangelho à sociedade brasileira. O desejo fundamental era o da comunicação com as pessoas.
Isso se completa ao forte caráter evangelístico da maioria canções, que falam da importância de se pensar sobre a vida, buscar um “mundo melhor”, a imagem bíblica de “Jesus batendo à porta”, abrir o coração. É nessa direção que Sérgio Pimenta faz a pergunta: “Por onde é que vais?” e dá o recado: “Ter Cristo é bem mais”. Aristeu canta o Salmo 139 e expressa o desejo salmístico de ser guiado por Deus até o fim, um Deus “[q]ue não me larga a mão / E leva-me com todo amor / Na direção”. E nessa mesma temática, Guilherme Kerr e Nelson Bomilcar anunciam que se o caminhante ouvir a voz de Jesus “[e] o seu caminho lhe entregar... Não mais sozinho vai andar”.
O desejo expresso nas canções era o da comunicação com a cultura e a sociedade brasileira da década de 1970, o desejo de um diálogo pleno. Três décadas depois, e com os movimentos de louvor e adoração surgindo e se tornando preponderantes na cultura evangélica nacional e internacional, esse pendor evangelístico das canções, que já vinha de uma tradição muito forte dos hinos antigos, acaba se diluindo. Em seu lugar surgiu um movimento que produziu toda uma cultura centrada na adoração e que trouxe grande contribuição à história da música cristã contemporânea, mas correu sérios riscos de esquecer a história e a sociedade pela busca de um louvor celestial, transcendente, alienado das necessidades reais das pessoas. Neste aspecto, o De Vento em Popa continua sendo um trabalho relevante e diferenciado ao chamar a Igreja para o diálogo com o mundo.
Por força desse caráter evangelístico também, a maioria das canções faz uso das metáforas do caminho e da conversão. Embora a metáfora da navegação e do mar estejam presentes em canções como “Vou chegar” e “De vento em popa”, que dá título ao disco, a imagem do caminho, da mudança de direção, do rumo, da trilha é a mais recorrente. Na “Canção para Pedro”, por exemplo, o apóstolo é desafiado: “Caminha junto ao Senhor, não perguntes / Aonde Ele vai / Confia teu caminho / Às mãos do Pai”. Desde os primórdios da nossa fé, o cristianismo foi se construindo com a religião do Caminho e o viver a vida cristã como caminhar.[2]
Há uma canção que se destaca pela modo como apresenta o diálogo com o povo brasileiro: “Sinceramente”. Nela, o tema é evangelístico, mas a perspectiva é deslocada para aquele que ainda está de fora do evangelho. Isso me parece inédito na música cristã contemporânea. A persona do poema, isto é, a voz que ali aparece ainda está à procura de um caminho. Ela sente que precisa de “outro caminho, outra vida”, reconhece que se fala de Deus “por aí” e, então, ele faz sua opção: “Vou correndo pra Deus / Certamente o caminho melhor”. De novo, a metáfora do caminho e da decisão, mas desta vez a partir do ponto de vista de quem é evangelizado, ou seja, do brasileiro.
Também por força desse diálogo com a cultura brasileira, algo que chama a atenção no disco é a presença de sotaques: o sotaque nordestino, o paulista, o “erre” carioca. E aqui há que se fazer menção novamente ao Aristeu. Foi ele que nos presentou com a sonoridade nordestina na palavra “córação”, “senhor”, “existe” no “Salmo 139”. Há também o erre gutural, carioca que se ouve no verso: “Como a roseira em flor / Espera o sol chega”. Há também o sotaque nordestino no verso que diz: “por suas feridas / pérdão te deu”. E ainda: “câminha junto ao Senhor / Não pérguntes aonde Ele vai”. Mais que modismo, está implícito nessa opção pelo sotaque regional o compromisso com a diversidade da cultura brasileira e um desejo de entrar em contato com esse povo.
Outro recurso interessante no disco é o diálogo entre duas pessoas, que ocorre na “Canção para Pedro”, que apresenta uma cena ficcional de alguém encontrando Pedro no caminho, logo após a crucificação, e exortando-o a soltar de novo as redes, abandonar o barco e voltar para Jesus. Há aqui liberdade para imaginar uma cena extrair dela sua força dramática com objetivo claro de edificação do ouvinte. A canção “Mais perto” também sugere o diálogo entre o cristão e o ainda não convertido. A mesma força dialogal se faz presente em canções em que o eu lírico se dirige a Deus, portanto em oração. É o caso da canção “A roseira”, que de forma poética belíssima traz o indivíduo dialogando com o seu Senhor. É uma canção de esperança, entrega e louvor, um louvor que inclui “Todo espinho, toda rosa / Todo riso e toda dor / Toda lágrima teimosa / Que sem prosa já rolou”.
Certamente, o disco guarda suas lacunas. Uma delas é a total omissão de problemas sociais e políticos da sociedade brasileira de então. Apesar do desejo de aproximação com a cultura nacional, ainda não há no disco sinais de um movimento politizado, mesmo porque naquele momento a censura ainda estava presente nas artes e nos veículos de comunicação social. O governo brasileiro da época estava ainda em franca perseguição aos dissidentes políticos. Entre eles havia muitos cristãos, como Paulo Wright, deputado estadual desaparecido e morto em 1973. Exilados, desaparecidos, guerrilhas, tensões sociais e políticas, e o disco passa ao largo disso tudo.
Naquele mesmo período, outros cristãos escreviam, cantavam e divulgavam canções bem mais diretas e ousadas no que concerne às questões sociais, embora seguindo uma trilha diferente da missão Vencedores por Cristo. É o caso de João Dias de Araújo e João Wilson Faustini, na canção “Que estou fazendo?”, feita em 1974 e que fala abertamente de fome, analfabetismo, desigualdade social, opressão e libertação. É também o caso da canção “Lavapés”, de J.C. Maraschin, escrita em 1971.[3] Ainda assim, com todas as limitações ideológicas e circunstanciais do momento, De Vento em Popa trazia grande arejamento ao pensamento evangelical da época, pois desafiava certo tradicionalismo das formas e o isolamento cultural da Igreja protestante naquele momento.[4]
Considerando o caráter inovador de sua estética musical, sua abordagem poética, o uso da linguagem do cotidiano, o desejo explícito de dialogar com a cultura brasileira e traduzir o evangelho na linguagem do dia a dia, o caráter reflexivo, propositivo, bíblico de sua mensagem, o disco De Vento em Popa, de Vencedores por Cristo, tornou-se um marco na história da música contemporânea feita por cristãos. Projeto muito anterior ao fenômeno da gospel music que hoje nos cerca, o disco abriu um caminho expressivo muito interessante para os jovens artistas brasileiros. É claro que ainda há muito que fazer, há milhas e milhas a navegar, mas vontade de velejar é o que não falta. E o Vento ainda sopra, de popa!
Casado com Ruth (1985) e pai de Johana e Julia, Gladir Cabral é formado em Teologia e Letras, com doutorado em Letras pela UFSC (2000). Atualmente, exerce o pastorado na Igreja Presbiteriana do Brasil e atua como professor universitário em Criciúma (SC). Músico e compositor, gravou recentemente o DVD Casa Grande.
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[1] Jorge Camargo. De Vento em Popa: fé cristã e música brasileira, p. 62. Esse livro de Jorge Camargo nasceu de uma belíssima dissertação de Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie em 2005.
[2] João 14.6; 12.35; Atos 9.2; 19.23; 22.4; Romanos 6.4.
[3] Ueslei Fatareli tem um belíssimo trabalho (dissertação de Mestrado em Ciência das Religiões pela Universidade Mackenzie em 2006) sobre a produção musical desse período: Cantai ao Senhor um cântico novo: influência da Teologia da Libertação no canto protestante brasileiro na década de 1980. Há também um interessante artigo publicado no periódico Cadernos CERU, da USP e disponível on-line: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1413-45192008000200008&script=sci_arttext
[4] Outro trabalho de altíssima importância é o livro de Carlos Eduardo Calvani, Teologia e MPB, publicado pelas Edições Loyolas e
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